terça-feira, 21 de março de 2017

Poço de sentimento

Passei a vida toda tentando encontrar algo, sem saber bem o que era. A cada conquista percebi que não era aquilo. Tudo me alegrava, mas não me satisfazia. Me sentia incompleta, apesar de ter tudo que alguém poderia querer, tudo que queria. Eu virei um poço de sentimentos cada vez mais profundo. Passei a sentir com todos os meus poros e ter uma sensibilidade exacerbada para as coisas sentimentais. Nenhum homem ousou entrar nem na metade do meu poço, quem dirá chegar até o fundo. Toda vez que tentavam entrar e viam que era fundo e escuro, desistiam. Fugiam. Outros sequer cogitavam a ideia de entrar. Nenhum tinha a fome de conquista que um bom explorador tem que ter. E eu pensei, por várias vezes, que se eu fosse mais superficial, vazia e rasa teria alguém disposto a adentrar-me. Mas então o que eu seria? Eu não seria eu. Então não adiantaria. Melhor ficar sozinha do que desistir de quem eu sou, de quem eu sempre fui.
Fiquei vagando por anos e anos só, à procura de algo para me sentir completa, plena. E nada de achar algo ou alguém para me satisfazer. Até você aparecer. Você chegou com essa vontade de alcançar o impossível e essa disposição de chegar até o fim daquilo que te desafia. Então você foi entrando em mim aos poucos e sem medo. Foi conhecendo cada pedra, cada detalhe. O fundo do poço bem que lhe atraíra muito, mas a ida até ele lhe parecia bastante agradável e proveitosa. E cada vez que você descia mais, mais escuro ficava e você não se assustou, não fugiu. Vai ver é porque você sabe o quão escuro você também pode ser por dentro, e apesar disso é repleto de coisas boas que poucos podem ver, justamente porque não lhe adentram.
E enquanto você se aprofundava em mim, eu fui me aprofundando em você. E fui admirando cada detalhe, percebendo suas qualidades, sua maturidade acima do normal, seu senso de responsabilidade, de perseverança, sua vontade de crescer sem precisar se beneficiar às custas dos outros nem se fazer de vítima para a vida. De ir sempre atrás e descobrir tudo por si mesmo.
Também fui conhecendo os teus defeitos e aceitando cada um deles, eram como se fossem os meus. Eu sei que você é solitário também e que não importa tudo que você já tinha, você não se sentia completo. Sentia uma falta enorme sem saber bem do que. Então procurava sempre chegar no topo para se realizar. Mas o que você procura não estava no que almejava, estava justamente no fundo de si mesmo, guardado, esperando alguém disposto a te explorar como você estava me explorando. E pela primeira vez você quis chegar ao fundo de algo. E eu, ao deixar você me conhecer, fui lhe conhecendo. Fui lhe adentrando enquanto me adentrava. Percebi que tínhamos muito em comum, éramos quase iguais. Só que eu era um poço de sentimento e você um poço sem ele. Você chegou e me viu por dentro e não fugiu porque se sentiu em casa. E eu me senti também. O tempo voou e, quando percebemos, chegamos ao mesmo tempo no fundo um do outro e não tinha potes de ouro como no fim do arco-íris. Também não era escuro como tudo indicava que seria, existia ali uma claridade que não doía na vista, uma luz que só fazia enxergar na íntegra cada detalhe. Havia uma sensação de paz, uma sensação de complemento. O que encontramos, para nossa surpresa, era justamente o que nos faltava: nós mesmos, um no outro. Um com o outro no fim. E só. Nos bastava.